Apesar das 81 milhões de cédulas no mercado, pouca gente viu uma nota dessas de perto.

Quando o Banco Central (BC) lançou a nota de R$ 200, a instituição fez até comercial na TV para falar do “novo dinheiro”. No filme, um cachorro vira-lata caramelo agradecia a campanha que foi feita na internet para que ele figurasse na nota como animal símbolo do Brasil.

“Mas quero que vocês recebam com o mesmo carinho esse meu primo selvagem, o caramelo do cerrado, o lobo-guará”, dizia o cãozinho no vídeo. “Ele agora também vai fazer parte do dia a dia de vocês.”

Um ano depois, pouca gente viu a nova cédula. “Já me mostraram, mas eu nunca recebi. Aqui, mais de 90% dos pagamentos são com cartão de débito”, diz Valéria Augusta Rezze, dona da padaria artesanal Santa Augusta Pães, na Vila Buarque, em São Paulo. “Nem gosto de receber em dinheiro. Uma das poucas vezes que me pagaram com nota alta, era uma cédula de R$ 100 falsa. Fiquei no prejuízo.”

Para o lançamento da nota, em 2 de setembro do ano passado, o Banco Central gastou R$ 113,8 milhões para fabricar 450 milhões de cédulas. Desse total, 18% estão em circulação, ou 81 milhões de unidades (o equivalente a R$ 331,4 bilhões). Os outros 369 milhões de cédulas produzidas e ainda não distribuídas estão guardadas com o Banco Central.

“A entrada em circulação da cédula de R$ 200, assim como aconteceria com qualquer outra nova denominação, ocorre de forma gradual e de acordo com a demanda da sociedade. O ritmo de utilização da cédula de R$ 200 vem evoluindo em linha com o esperado e seguirá em emissão ao longo dos próximos exercícios”, informou o BC, em nota.

A justificativa do BC para lançar a nota em 2020 foi que, com a pandemia, a procura da população pelo dinheiro em espécie aumentou. “A quantidade de dinheiro em circulação subiu de cerca de R$ 260 bilhões para R$ 351 bilhões entre março e 31 de agosto”, disse o banco em nota no ano passado. Para o BC, haveria risco de falta de cédulas no mercado.

De fato, as pessoas sacaram mais dinheiro em espécie em 2020 – principalmente por conta do auxílio emergencial. Isso fez o meio circulante (o total de cédulas em circulação) passar de 6,3 bilhões de unidades em 2019 para 8,4 bilhões há um ano. Nos anos anteriores (2018, 2017, 2016), o total em circulação variou entre 6 bilhões e 6,3 bilhões de unidades.

Então, por que a nota não chega às mãos das pessoas? As notas mais altas, segundo o advogado Andre Castro Carvalho, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), geralmente ficam “entesouradas”, ou seja, guardadas em casa ou em cofres.

“E quem guarda dinheiro em casa, em grandes somas, geralmente é para sonegar impostos ou por motivos ilícitos”, diz o advogado. “Só a emissão de notas de R$ 50 e R$ 100 já abasteceria o mercado”, diz ele, que nesse um ano de circulação da nova nota também nunca viu a cédula.

Dinheiro na mão é vendaval

Isso explica porque, mesmo com as 81 milhões de cédulas do lobo-guará no mercado e sendo beneficiária do auxílio emergencial, a diarista Regina Batista da Cunha Antonio, de Carapicuíba, nunca tenha recebido uma delas.

Ela recebe parcelas do auxílio desde o seu lançamento, em abril de 2020. Como não tem conta bancária, sempre paga tudo em dinheiro. “Ainda assim, eu não saco o auxílio. Uso para pagar a conta de luz e a de água e já acaba”, explica ela.

Até comerciantes que só lidam com dinheiro em espécie ainda não viram a nota. A costureira Maria Eliane Rodrigues gerencia uma oficina de reparos no centro de São Paulo, e não aceita cartões – pagamento só em dinheiro. “A gente faz assim porque pagamos nossas costureiras todo dia, no fim do expediente e fica mais fácil que usar banco”, conta ela.

A nota de 200, nesses 12 meses de circulação, ela nunca viu. “Aqui é mais comum notas de R$ 20 ou de R$ 50”, afirma.

As de R$ 50 são, conforme o BC, as mais numerosas em circulação, com 2,1 bilhões de notas. Em seguida vem a nota de R$ 100, com 1,7 bilhão de unidades. E no terceiro lugar está a nota de R$ 2, com 1,4 bilhão.

De todas as cédulas, a de R$ 200 ainda é a menos expressiva. Perde até para a de um real, que não é mais fabricada, mas ainda tem 148 milhões de unidades em circulação.

A ideia de que notas altas ficam “entesouradas” não é apenas uma percepção de Carvalho. Um estudo publicado pelo Mossavar-Rahmani Center for Business and Government, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que, no mundo todo, as notas de alto valor de vários países são o “mecanismo de pagamento preferido” dos criminosos.

Isso porque quem usa dinheiro em espécie se fia no anonimato e na falta de registro de transações. O dinheiro físico também oferece uma relativa facilidade de transporte, sem deixar rastros eletrônicos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, 80% dos 12 bilhões de notas de US$ 100 (mais alta por lá) circulam fora do país, conforme um levantamento do Federal Reserve (o BC americano).

“De-cashing”

E é para tentar dificultar a ação dos criminosos que, em grande parte dos países, acontece um fenômeno chamado “de-cashing” – ou seja, a extinção do dinheiro físico.

“Aqui no Brasil, a pandemia, que num primeiro momento aumentou a necessidade de saques, posteriormente fez o contrário: acelerou o ‘de-cashing’, principalmente por conta do avanço do comércio eletrônico e do Pix”, diz Carvalho.

Com o lançamento da modalidade instantânea de transferência bancária – o Pix – em novembro passado, a médica Tatiana Almeida, de São Paulo, disse que chegou a ficar mais de dois meses sem ter uma nota de verdade na carteira. “Pago tudo com cartão por aproximação ou por Pix. Na praia, comprei até picolé com Pix”, diz ela.

O meio circulante refletiu isso: o número de cédulas disponíveis caiu dos 8,4 bilhões em setembro do ano passado para atuais 7,7 bilhões.

O que aconteceu com esses 700 milhões de cédulas a menos? Em nota, o Banco Central explica que “com o retorno gradual das atividades econômicas, e o arrefecimento da pandemia” o total de dinheiro físico no mercado tende a voltar às quantidades normais (entre 7 e 6 bilhões).

“A variação da quantidade de cédulas em circulação é decorrente das operações de saques e depósitos das instituições financeiras no Banco Central, para atender as demandas de seus clientes”, informou o BC.

Ou seja: os bancos acabam colocando menos cédulas no mercado. As pessoas fazem menos saques em espécie. E parte do dinheiro volta para os bancos, em forma de depósitos ou pagamentos.

Tem também o dinheiro que se estraga. Nesse caso, porém, o dinheiro não sai de circulação. Apenas é substituído. Nos últimos cinco anos, conforme o BC, foram substituídas, a cada ano 1,1 bilhão de cédulas sem condições de circular, cerca de 18% do total. (CNN BRASIL)