Foto de indígena da etnia Zo'é carregando o pai para se vacinar contra a covid-19 repercutiu nas redes sociais. (Foto: Erik Jennings Simões)

A foto de Tawy Zo’é, 24, carregando o pai Wahu Zo’é sobre as costas para que o idoso, então com 68 anos, fosse vacinado contra a covid-19 aqueceu o debate sobre a assistência às populações indígenas durante a pandemia. Com uma organização social particular e isolados em áreas de densas florestas no Pará, os Zo’é recebem atendimento médico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde, que tem se comunicado e informado a população por meio de um radioamador.

Ao todo, são mais de 300 indígenas da etnia que habitam a região em diversas aldeias, cujo acesso só é possível com um avião monomotor. Desde o início da pandemia, segundo o Ministério da Saúde, os Zo’é se isolaram em aldeias ainda mais distantes para evitar o contágio.

A fotografia de pai e filho foi registrada em 2021 e publicada neste ano pelo médico da Sesai, Erik Jennings Simões, 52, que atua há mais de duas décadas na região. Segundo ele, o uso do radioamador é um protocolo utilizado pelas equipes médicas antes mesmo da pandemia e tem sido de extrema importância neste período. A comunicação dos profissionais com os Zo’é, reforça ela, é inclusive realizada na língua nativa, já que não falam português.

Foi desta forma que Tawy soube que poderia levar o pai para ser vacinado no dia 22 de janeiro do ano passado, assim que o plano nacional de imunização começou. Foram cerca de seis horas de caminhada pelo interior da floresta, que está localizada entre os rios Cuminapanema e Erepecuru, no norte paraense, até chegar no posto de atendimento da terra indígena.

A TI (Terra Indígena) Zo’é, homologada em 2009, tem uma extensão de 668,5 mil hectares (cerca de 936 mil campos de futebol) em parte dos municípios de Óbidos, Oriximiná e Alenquer. Há somente uma pista de pouso de acesso à região, que não possui estradas, somente trilhas por dentro da floresta. De Óbidos a Belém, são cerca de 800 quilômetros de distância.

Embora pudessem visitar algumas aldeias, como já faziam antes da pandemia em rotinas de visitas, os médicos da Sesai adotaram um planejamento estratégico para a região no contexto pandêmico. Como ir às aldeias era expor ainda os indígenas ao risco de contaminação, o acordado foi que os indígenas passassem a comparecer à base médica para receber o imunizante e atendimentos.

Mesmo para os profissionais que realizam atendimento na unidade de saúde, os protocolos são rigorosos. Para entrar na área indígena é necessário ter, no mínimo, sete dias de quarentena, testes de antígeno negativo, uso de equipamento de proteção individual (EPI) completo, manter distância e realizar alguns procedimentos e exames ao ar livre.

Para chegar à base médica, as trilhas utilizadas por cada membro de uma família Zo’é eram diferentes e organizadas estrategicamente para evitar o contato entre eles. O brasileiro Marcos Cólon, doutor em estudos culturais pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), explica que, na verdade, esta tática dos Zo’é é milenar e usada para evitar o impacto de pandemias e doenças na população ao longo da história. Segundo ele, a cultura de isolamento da etnia é também uma estratégia de sobrevivência.

No final da década de 1980, por exemplo, vários indígenas da etnia morreram em decorrência de enfermidades de problemas respiratórios e diarreia. Somente a partir disso, explica Cólon, a Funai (Fundação Nacional do Índio) passou a acompanhar e prestar assistência aos Zo’é.

Segundo Leonardo Viana Braga, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo e assessor do PZ/Iepé (Programa Zo’é do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena), o isolamento também é uma questão cultural para os Zo’é, uma vez que, quando as famílias se encontram, elas seguem etiquetas rigorosas de aproximação respeitando os espaços uma das outras.

“É desejável viver afastado, o que faz com que os momentos de encontro tenham mais valor. Dessa forma, não foi difícil para os Zo’é seguirem os protocolos de distanciamento social, se assim podemos dizer”, explica Braga.

Em outubro de 2021, o pai de Tawy faleceu de complicações de doenças pré existentes e pela idade avançada. Segundo Ministério da Saúde e o médico da Sesai, Erik Jennings, até agora, “não se registrou nenhum caso de Covid-19 na população Zo’é”, que também está totalmente imunizada com as primeiras e segundas doses da vacina

A inclusão da população indígena entre os grupos prioritários no enfrentamento à covid-19 foi uma das demandas da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) no STF (Supremo Tribunal Federal), por meio da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 709. A entidade também denunciou a subnotificação de dados sobre a situação de contaminação e óbitos em decorrência da covid-19 entre a população indígena, e iniciou um levantamento próprio para acompanhamento dos casos.

Dois anos após o início da pandemia, nesta terça-feira (11), o Ministério da Justiça e Segurança Pública anunciou a criação do Comitê Gestor dos Planos de Enfrentamento da Covid-19 para os povos indígenas, com representantes da Funai e dos ministérios da Cidadania; da Defesa; da Economia; do Meio Ambiente; de Minas e Energia; da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; e da Saúde.

A média móvel de casos confirmados pelo país nos últimos sete dias foi superior a 44 mil, a maior registrada desde 29 de julho do ano passado, segundo dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa, nesta terça-feira (11). Em um momento como este, o médico Erick Jennigs da Sesai acredita que a repercussão da foto de Tawy e seu pai manda um recado de incentivo dos Zo’é para que todos no mundo se vacinem.

*Com informações do UOL